Ah! quem nos dera que isso, como outrora,
inda nos comovesse! Ah! quem nos dera
que inda juntos pudéssemos agora
ver o desabrochar da primavera!
Saíamos com os pássaros e a aurora,
e, no chão, sobre os troncos cheios de hera,
sentavas-te sorrindo, de hora em hora:
"Beijemo-nos! amemo-nos! espera!"
E esse corpo de rosa recendia,
e aos meus beijos de fogo palpitava,
alquebrado de amor e de cansaço....
A alma da terra gorjeava e ria...
Nascia a primavera...E eu te levava,
primavera de carne, pelo braço!
SONETO DA SEPARAÇÃO
SONETO DA SEPARAÇÃO
Silencioso e branco como a bruma
E das bocas unidas fez-se a espuma
E das mãos espalmadas fez-se o espanto.
De repente da calma fez-se o vento
Que dos olhos desfez a última chama
E da paixão fez-se o pressentimento
E do momento imóvel fez-se o drama.
De repente, não mais que de repente
Fez-se de triste o que se fez amante
E de sozinho o que se fez contente.
Fez-se do amigo próximo o distante
Fez-se da vida uma aventura errante
De repente, não mais que de repente.
(Vinicius de Moraes)
Até que num belo momento,
depois de muito cansaço,
depois de muito doer,
depois de muita neblina,
depois de muita busca,
sobretudo, a gente descobre,
contente que nem criança diante de novidade,
onde o amor estava o tempo todo.
Onde estava a chave. Onde estava o alimento.
Maravilhados, começamos a cuidar de nós mesmos.
Começamos a dedicar carinho e delicadeza a nós mesmos,
esses que pensávamos que podiam vir somente dos outros.
Descobrimos que o interruptor que faz a vida acender
esteve o tempo inteiro no nosso próprio coração."
(Ana Jácomo)
QUE ME VENHA ESSE HOMEM
Que me venha esse homem depois de alguma chuva, que me prenda de tarde em sua teia de veludo, que me fira com os olhos e me penetre em tudo.
Que me venha esse homem de músculos exatos, com um desejo agreste, com um cheiro de mato.
Que me prenda de noite em sua rede de braços, que me perca em seus fios de algas e sargaços.
Que me venha com forca, com gosto de desbravar, que me faça de mata pra percorrer devagar.
Que me faça de rio pra se deixar naufragar.
Que me salve esse homem com sua febre de fogo, que me prenda no espaço de seu passo mais louco.
Me faça ser tua..Quero admirar cada pedacinho do teu corpo,
em silêncio, beijar cada parte do teu ser.
Quero sentir o teu cheiro,
descobrir o que te dá prazer.
Preciso olhar em teus olhos
e para sempre me perder.
Quero a tua respiração no meu ouvido
e, num breve gemido,
ouvir o meu nome dizer.
Vou apagar com beijos, cheios de ternura,
todas as tuas cicatrizes.
Vou te prender à minha cintura,
até que nossos corpos criem raízes.
Vem, amor!
Não me faça esperar tanto assim...
Me pega no colo,
me beija a boca,
me faça ser tua!
Vem!
Me faça ser tua!
(que eu te faço feliz
Mas me interessa igualmente o que me é diferente. O lado obscuro de tudo. Eu sou uma mocinha. Menina. Mas me atrai conhecer o avesso. Entendê-lo.
Por isso coleciono almas. Olho nos olhos, observo o entorno, busco desgasto derreto de cansaço. Vou até o fim.
Eu sou menina. Eu sou menino. Eu sou um espectro. Uma abelha. Uma agulha. Uma fagulha.
Uma história de dois lados.
Daniela Dias
Como vencer o tempo
Se os relógios,
E seu coração, é caixa de aço.
Como vencer essa saudade
Se a distância é covarde
E para ter notoriedade
Desbarranca meus olhos
Em lágrimas.
Como acalentar meu coração
Se a insensatez
Desafia a lucidez
E me perco em desacertos.
Como esquecer você!
ManyPallo
...Bom comportamento nunca foi meu ponto forte. Minhas contradições se digladiam, Sobrevivo de um instinto que me empurra para lugares onde moças não iriam... Sou tantas, e a cada dia uma. Quero da vida todas e mais algumas, Ir fundo em todas essas personagens."
Bruna LombardiBaixo-ventre
Eu não agüentava mais de amor por você
Tava ardendo de vontade de você
Você há de me querer
Há de tentar, se atrever
Mesmo se for delito, se for errado
Maldito, amaldiçoado
Mesmo que o céu nos castigue
Com um eterno eclipse
E venha o caos, satã, o fim de tudo
O cataclismo, o Apocalipse
e a gente seja culpado
Porque não soube resistir a tentação
Eu não quero me livrar desse pecado
E me salvo através dessa paixão.
Alta Tensão
eu gosto dos venenos mais lentos
dos cafés mais amargos
das bebidas mais fortes
e tenho
apetites vorazes
uns rapazes
que vejo passar
eu sonho
os delírios mais soltos
e os gestos mais loucos
que há
e sinto
uns desejos vulgares
navegar por uns mares
de lá
você pode me empurrar pro precipício
não me importo com isso
eu adoro voar.
Quero que todos os dias do ano
todos os dias da vida
de meia em meia hora
de 5 em 5 minutos
me digas: Eu te amo.
Ouvindo-te dizer: Eu te amo,
creio, no momento, que sou amado.
No momento anterior
e no seguinte,
como sabê-lo?
Quero que me repitas até a exaustão
que me amas que me amas que me amas.
Do contrário evapora-se a amação
pois ao não dizer: Eu te amo,
desmentes
apagas
teu amor por mim.
Exijo de ti o perene comunicado.
Não exijo senão isto,
isto sempre, isto cada vez mais.
Quero ser amado por e em tua palavra
nem sei de outra maneira a não ser esta
de reconhecer o dom amoroso,
a perfeita maneira de saber-se amado:
amor na raiz da palavra
e na sua emissão,
amor
saltando da língua nacional,
amor
feito som
vibração espacial.
No momento em que não me dizes:
Eu te amo,
inexoravelmente sei
que deixaste de amar-me,
que nunca me amastes antes.
Se não me disseres urgente repetido
Eu te amoamoamoamoamo,
verdade fulminante que acabas de desentranhar,
eu me precipito no caos,
essa coleção de objetos de não-amor.
(Carlos Drummond de Andrade)
"Se fosse apenas saudade" Patrícia Lara
Se tudo o que sinto, hoje,
se resumisse apenas neste sentimento:
SAUDADE.
Mas, não!
Vai muito além disso!
Além da dor da ausência,
além do não ver,
do não viver,
do não tocar...
Se tudo o que sinto, agora,
fosse só tristeza e dor...
Mas, não!
Há um quê de desejo misturado com paixão.
Há um vazio imenso e uma dor no coração.
Ah! Se tudo fosse só esquecer...
(se tudo se resumisse a isso)
Que fácil seria viver!
Mas, não consigo te esquecer um só momento!
Se tudo fosse só saudade, meu amor,
que bom seria!
Saudade é sentimento ingênuo...
Dói na alma, mas um dia passa!
(o tempo sempre se encarrega dessas coisas)
Amor não...
Amor fica aqui dentro,
guardado a sete chaves e cercado de cuidados.
Amor que é verdadeiro nunca morre!
(pelo contrário, aumenta a cada nascer do sol...)
Se tudo fosse apenas saudade, meu amor,
que bom seria vive
A UM AUSENTE
Tenho razão de sentir saudade,
tenho razão de te acusar.
Houve um pacto implícito que rompeste
e sem te despedires foste embora.
Detonaste o pacto.
Detonaste a vida geral, a comum aquiescência
de viver e explorar os rumos de obscuridade
sem prazo sem consulta sem provocação
até o limite das folhas caídas na hora de cair.
Antecipaste a hora.
Teu ponteiro enlouqueceu,
enlouquecendo nossas horas.
Que poderias ter feito de mais grave
do que o ato sem continuação, o ato em si,
o ato que não ousamos nem sabemos ousar
porque depois dele não há nada?
Tenho razão para sentir saudade de ti,
de nossa convivência em falas camaradas,
simples apertar de mãos, nem isso, voz
modulando sílabas conhecidas e banais
que eram sempre certeza e segurança.
Sim, tenho saudades.
Sim, acuso-te porque fizeste
o não previsto nas leis da amizade e da natureza
nem nos deixaste sequer o direito de indagar
porque o fizeste, porque te foste.
(Carlos Drummond de Andrade